Pular para o conteúdo principal

A “contra-lógica” do desleixo.

Boa noite!
(...)
Em matéria de assuntos lingüísticos, é bom ser cauteloso na ironia, até porque a língua portuguesa não é fácil. Da minha parte, a regência verbal constitui um terreno tormentoso, no qual me movo com dificuldade...
Pelo menos me esforço em acertar, embora me sinta parte integrante de uma espécie em extinção. A prova dessa marginalidade se confirmou quando me contaram a resposta de uma jovem redatora de jornal a um chefe de redação que reclamava de seus abusos regenciais: ‘ você ainda se preocupa com essas coisas?’
(...)
[Fausto, Boris. Maria e a língua portuguesa.]

Ultimamente, algumas reportagens, acontecimentos banais e textos didáticos motivaram-me a fazer um breve comentário, tema deste post.
Há aproximadamente um mês, escrevi um simples bilhete para pedir um favor aos pais de uma amiga, e me chamou muita a atenção o comentário, feito pela mãe dela, durante outra conversa após a leitura do recado... Ela me disse: “Ah, você pode até achar que não sabe nada de português, ou não escreve bem, mas o bilhetinho de hoje estava bem pontuado e acentuado”.
Foi interessante porque, por muito tempo, fui obrigada a ouvir e não saber refutar pensamentos, difundidos na época do colégio, e quando foi feito tal comentário, eu pensei: “ótimo, algumas pessoas ainda se preocupam com a forma com a qual falamos ou escrevemos, sem purismos, apenas por facilitar o entendimento”.
Bom, nos últimos tempos, comentei bastante com amigos a respeito do fato de algumas pessoas simplesmente “se darem ao luxo” de abandonar a gramática. Durante o ensino médio, sobretudo, incomodava-me muito não ter conseguido ainda identificar o uso lógico e consciente de todas as estruturas, regras, enfim, da gramática. Era comum pensar: “Ah, eu aprendo orações coordenadas, subordinadas, mas usar em uma redação e fazer a identificação de toda a sintaxe? Para quê? quase dispensável...” Pós-termino do ensino médio, fiquei muito feliz por ter finalmente encontrado respostas para minhas indagações, claro, com ajuda de bons profissionais e uma dose de esforço!
Esforço é um passo muito importante, quase mais do que o próprio erro ou acerto, mas aprender a valorizar nossa língua, além do papel apenas de idioma, é essencial e válido.
“Uma palavra posta fora do lugar estraga o pensamento mais bonito” [Voltaire]
Atento bastante ao fato de vários indivíduos relacionarem o processo de construção lingüística e lógica gramatical apenas às necessidades acadêmicas específicas e, mesmo assim, ainda ser notável o numero de profissionais – em todos os níveis acadêmicos – dispostos a praticar o desleixo e não a linguagem. É, porém, ainda mais preocupante, a questão de muitas pessoas não se importarem nem mesmo com as mensagens mais simples a serem repassadas.
Indivíduos sem poder de argumentação, outros com belas palavras e poucas idéias, parece difícil hoje atrelar a lógica à gramática e perceber o poderoso instrumento representado pela língua portuguesa.  Ser simples e dizer tudo, muito bem, eis à questão.
Não sou purista, aliás, defendo a multiplicidade característica da própria língua portuguesa e as variedades lingüísticas por serem partes intrínsecas da nossa cultura, é conforme dizem “não falamos português, falamos brasileiro”.  É preciso atentar, no entanto, para o desleixo corrente, e, sobretudo para o chamativo fato de algumas escolas –particulares e públicas- simplesmente cultuarem o desleixo e afirmarem: “A gramática está em desuso, nos vestibulares vocês devem se preocupar em interpretar”. Bom, não sei então que recursos utilizaram os autores, ao construírem um texto, senão os gramaticais.
A gramática, ainda hoje, é sinônima de puras regras, fato absurdo perto de tamanha variabilidade lingüística. Devemos, entretanto, perceber a necessidade, não só de mostrar – àquelas pessoas as quais compartilham de tal pensamento simplista – o quanto podemos usar a nosso favor os recursos lingüísticos disponíveis, mas também de conseguir adequar cada situação a sua linguagem própria.
Síntaxe à vontade
(O teatro mágico)
todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser
todo verbo é livre para ser direto e indireto
nenhum predicado será prejudicado
nem tampouco a vírgula, nem a crase nem a frase e ponto final!
afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas
e estar entre vírgulas pode ser aposto
e eu aposto o oposto que vou cativar a todos
sendo apenas um sujeito simples
um sujeito e sua oração
sua pressa e sua verdade,sua fé
que a regência da paz sirva a todos nós... cegos ou não
que enxerguemos o fato
de termos acessórios para nossa oração
separados ou adjuntos, nominais ou não
façamos parte do contexto da crônica
e de todas as capas de edição especial
sejamos também o anúncio da contra-capa
mas ser a capa e ser contra-capa
é a beleza da contradição
é negar a si mesmo
e negar a si mesmo
pode ser também encontrar-se com Deus
com o teu Deus
Sem horas e sem dores
Que nesse encontro que acontece agora
cada um possa se encontrar no outro
até porque...
tem horas que a gente se pergunta...
por que é que não se junta
tudo numa coisa só?
(Sintaxe à vontade; Magramática – composição: Fernando anitelli)

A gramática é, apenas,a melhor forma de colapsar as minhas ideias, a utilização da perfeita neurofisiologia em prol da simples e boa comunicação! Saber o que dizer e quando. Porque para quem não tem o que dizer, nenhuma palavra serve, mas...para quem tem algo a expressar, o mundo é um livro em branco e a sintaxe é o lapis, para que nos sintamos à vontade.

Comentários

  1. Não conhecia essa música de Teatro Mágico, simplesmente, perfeita. Também adorei o seu texto, né? Novamente você fez uma boa escolha de palavras, algo leve e pesado ao mesmo passo. Você realmente sabe mexer com as palavras. Também gostaria de fazer isso, mas como disse a você, isso requer tempo, e pense numa coisinha difícil de se achar!! heheheh - Xeeero!

    ResponderExcluir
  2. A gramática é algo fundamental para a comunicação uniformizada, mas é preciso tomar cuidado para que ela não seja instrumento de discriminação, como certas pessoas usam. Tá de parabéns Sah, o blog sempre tem assuntos interessantes e que geram muitos debates, internos e externos. Abraço!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Tempo de sobra

 O que é tempo sobressalente quando, na verdade, nosso tempo é gasto no viver? Sempre me deparei, pessoalmente, com esta pergunta. Digo gasto, porque, em campo terreno, há uma quota limitada para cada um de nós. A propósito, inexorável.  Hoje, mais uma vez, continuei um dos títulos não-ficcionais que gosto de manter na cabeceira de leitura, para afiar as reflexões. O escolhido, ontem, foi "Sem tempo a perder", uma coletânea de textos da Úrsula Le Guin, dama da ficção científica, co-incidentemente com excertos tirados de quando ela também resolveu escrever em um blog.  Primeiramente, poucas pessoas estariam tão bem qualificadas para falar sobre "tempo", embora aqui nos caiba mais o aspecto filosófico do que científico a respeito dele, mas, talvez, ambos sejam indissociáveis. Em segundo momento, fico feliz de ter as mesmas elucubrações de grande nome da literatura, mas também devo dizer, ficaria ainda mais, caso tais conjecturas fossem mais comuns, entre nós, no nosso

Passagem

  Escrita Quando pensamos em escrever ou em escritores, já pensamos em "passadores de mensagens". Parece vir à mente a inerência de que ela é feita para o outro...mas se a escrita for uma passagem? Não seria ela feita de descobertas? Afinal, quando escrevemos (isso, me incluo, o eu no nós)...quando escrevemos sempre deixamos algo de nós a existir no mundo. E só de passagem nos damos ao outro. Quando somos lidos, somos vistos por outros olhos e em outro mundo. Sim, nossas descobertas são, de passagem, leitura de outro. 25 de julho, dia do escritor. P.S.: (para não perder o costume) nada mais justo um rascunho postado sobre escrita, quando o último escrito por aqui, há 2 anos quase, foi meu legado. Quem sabe...à espera de uma volta?

1941.

 Há muito, tive vontade de retornar a escrever, hoje o faço, não sei por quanto ou até quando, só que todos - que importam - sabem como funciona este blog, vai, volta, nunca acaba (ainda bem). Um dos motivos pelos quais não retornei a escrita tão cedo é o mesmo motivo que a tornaria tão possível: ainda que este ano (2020) seja um grande fomento para tal, pois tragédias historicamente são terrenos férteis para as letras, não me trouxe vontade de tornar este lugar mais um meio gratuito de veicular nada particular ou socialmente sombrio... Até que hoje, pela madrugada, eu tive um sonho (de fato) que até achei interessante e relacionei de imediato a um trecho do livro "Os meninos que enganavam nazistas" que algumas horas depois li. E dizia:  "É bom ficar sempre com um pé atrás: o momento em que acreditamos ter vencido é sempre o mais perigoso". Antes disso, um sonho: Eu retornava do trabalho, na minha cidade pequena relativamente mais segura do que a maioria, a pé, quan