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Memória afetiva


 

Há um ano, li " O sol é para todos", livro famoso, ganhador do Pulitzer, livro fantástico que por detalhes bem singelos, tornou-se um dos meus favoritos de fato. Agora, com mais um ano nas costas, em um "dia das crianças" - no qual me afasto cronologicamente de quando eu era uma -, termino um outro livro, do qual também gostei bastante, mas bem menos famoso de um autor muito conhecido sim. Foi uma leitura muito aprazível, daquelas que te deixam leve, que carregam o peso de uma pena, mas a importância de um mundo.

Se a preguiça me agarrasse em cheio quando me perguntassem: "Por que você gostou tanto assim, não é sequer um dos mais conhecidos do autor, ou não trata de nada tão assim distópico, fantasioso, por que se importou? Talvez eu sequer tentasse formular uma resposta. 

O fato é: não é preciso formular nada, pois é fácil, o encanto veio com um "puxavanco" à memória! Com uma linguagem em uma bela prosa poética, claro. Só não poderia eu dizer que me atraí por qualquer questão essencial e primariamente literária e estética. O encanto foi uma questão mnemônica, de perspectiva, do olhar de uma criança, da sinestesia da infância. Enfim, pode ter sido mágica, mas com certeza foi nostalgia.

Nos dois casos, nos dois livros, não foram grandes histórias que me enlaçaram, nem mesmo grandes autores, foram o símbolo dos nossos verões de vida, foi a verossimilhança tão banal que extasiou. Daqueles dias que foram - e ainda são - os melhores professores, que nos ensinaram que é perfeitamente natural lidar com as imperfeições, que quedas são comuns e levantadas também, que nem o maior dos aborrecimentos duraria para sempre e, no máximo, seria como dias chuvosos em que ansiávamos por brincar lá fora, mas na impossibilidade, construíamos uma barraca improvisada com lençóis e cadeiras. Naqueles dias, em que estávamos construindo, mesmo sem saber, os nossos castelos.

A propósito, qualquer afresco estético que eu possa abraçar hoje, devo dizer, em um amor desvairado por palavras, agradeço aos dias longínquos de menina, dos primeiros dias de minha construção. De certo não sou uma velha de 28 anos, embora pareça uma alma antiga desde lá, mas, neste dia das crianças, eu sei, eu posso ficar mais feliz por saber que ainda vão existir mais e mais livros, histórias, as quais podem até não ser escritas para crianças, porém mantém o espirito de uma e, por isso, mais belas.

Histórias que me lembram um dia, em que eu estava exatamente numa livraria e minha tia avó falou para minha mãe, pouco atrás de mim: "incrível é ver que ela agora é a mesma menina de quando tinha 5 anos, só que com 15 a mais". Ou quando estava na praia e ajudei duas menininhas a pegar conchinhas e ver meu pai rir: "parece que ela tem 8 anos novamente". Fico feliz por ainda perceber que ser comparada a quando eu era criança é um elogio e  hoje significa tudo menos, infantil.

Há quem se incomode e muito em saber que guarda em si algo de tempos prévios na vida, com um inocente engano de associar à falta de maturidade, mas tenho paciência em relação a este equívoco. 

A mesma paciência, como quando quando li, em uma definição nas orelhas do livro, que seria uma história de despedida da infância e que, não, não era bem assim, pois tal qual o garoto-personagem, relembrei que a verdadeira mágica se esconde na percepção dos fragmentos de memória de um cotidiano que já foi nosso, mas nunca de nós se separa, das descobertas de mundo que nos ajudam a nos descobrir. Redescobri que a verdadeira mágica consiste em saber que da infância não nos despedimos  de verdade, sem se despedir de nós mesmos, pois a melhor máquina de felicidade, é uma máquina do tempo, uma mente, com olhares, cheiros, gostos, dissabores, com fotos e flashs das memórias que nos permitem ser quem somos, com base no que éramos.

P.S.: I) Sou apaixonadamente nostálgica, desculpe o vanguardismo;

II) Grandes livros para adultos, mantém a alma de criança;

III) Não quero me tornar pediatra, embora me perguntem bastante sobre, mas é particularmente divertido quando deixamos as consultas abertas para as crianças expressarem elas mesmas. E terrivelmente estarrecedor ver uma repreensão parental nada educadora, apenas limitante.

logo...

IV) Pais, prestem mais atenção aos seus filhos, eles costumam ser felizes sem motivos, pois não se perdem ao procurar razões. Eles apenas são, sem nunca terem lido Drummond -sim, novamente- eles sabem que ser feliz sem motivo é a forma mais autêntica de felicidade.

V) Lembrem pois:  "Só as crianças e os velhos conhecem a volúpia de viver dia-a-dia, hora a hora, e suas esperas e desejos nunca se estendem além de cinco minutos". - Mario Quintana.

VI) Uma última historinha, um dia entrei em uma dinâmica em que devia fechar os olhos e eu nem lembro da pergunta, mas tinha a ver com a infância, mas eu lembro bem da resposta que escrevi em um papel: "É bom saber que se eu tivesse um encontro comigo, lá no passado, face a face, aquela menininha ficaria orgulhosa, e esta é uma das minhas definições (pessoal) de felicidade", saber disso.

VII: "Em verdade, vos digo: quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele." - (Marcos 10:15)

Feliz dias, crianças!


Comentários

  1. Aí que lindo, Bri!!! Nunca devemos deixar nossa criança interior ir embora, vejo isso bastante presente em minha mãe... é incrível ver a leveza em uma pessoa que sabe guardar essa essência de criança interior. Amo quando cheiros, lugares, entre outras memórias aparecem e me fazem viajar para meus "velhos tempos". Feliz dia das crianças para todos nós que nunca deixamos essa energia ir embora!

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    1. Exatamente Vic! Acaba que as pessoas sempre me perguntam como eu lembro de tanta coisa de quando eu era criança, bem por mais fragmentos que sejam, acho que elas me permitem ser mais leve, essa rememoração constante. Mantém a essência.

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  2. Fantástico texto! Continue assim Sabrina com a pureza de uma Criança.

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  3. Impressionante ,como vc se lembra dos primeiros livros que leu e associa com sua maturidade e ao mesmo tempo e ao mesmo tempo com essa maturidade associa ao fato de voltara ser criança com essa maturidade,veja, quando vc olha a mulher no espelho que se acha ser criança, fique sabendo que a gente se renova a cada dia que se passa , a carne pode envelhecer, mas nossa alma sempre será nova, sobre a resiliência que é o poder de cair e se levantar,que vc coloca de ser algo comum, pena que são poucas pessoas olham dessa forma, o sol é pra todos e a sombra é pra poucos!!! Show!

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  4. Já tá ficando clichê dizer que me sinto contemplada por esse texto. Essa semana tava pensando justamente como as pequenas coisas, as grandes alegrias das pequenas descobertas (como achar uma concha bonita ou um livro com uma bela capa) tornam a vida leve. gente constrói a vida nesses fragmentos e acredito q o segredo é conseguir revisitar essas memórias cada vez de uma forma diferente, sem ficar presa a elas.
    Ps: *Pessoas nostálgicas: melhores pessoas*

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  5. Que lindo sah!!! Amei, eu sou uma eterna criança e amo!

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  6. Eu,wilani estou encantado com o texto escrito, eu lembro de tudo quando criança, até pq minha infância foi interrompida,mas" nunca guardei magua procurei esquecer só q nunca esqueci Deus é responsável pela minha vida até hj brigada pelo parabéns pela criança q nunca fui ! Fiquei feliz de verdade.sabe me senti criança uma braço

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  7. tua escrita passa uma energia tão boa, tão leve, que me senti mais perto mesmo distante. Feliz dias das crianças, são, que venham mais dias de apanhar conchinhas 😍

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  8. Haha, já ia botar o versículo que ce colocou aí no texto, pra destacar realmente isso, certas qualidades há numa criança que nunca devemos perder, o encanto com o novo, a resiliência de cair e levantar quando brincamos, ter aquela inocência que só criança tem, de não julgar pela pele, pela aparência, pela idade. Certas coisas nas gerações vão sendo perdidas, jogando gartic esses dias apareceu pra um cara desenhar 'dvd', e eu comentei no chat, as crianças de hoje sabe nem mais o que é isso, e isso vale pra tantas outras coisas, desenhos que eram fantásticos, músicas, possibilidades que elas não conhecerão mais, como simplesmente brincar nas ruas até anoitecer, que hoje no mundo é muito perigoso pra isso.
    Sempre é bom recordar de onde viemos e quem fomos, p compreender pra onde vamos e quem somos, compreender e recordar quem fomos quando criança nos ajuda a entender melhor o que nos tornamos hoje.

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  9. Ok. Estou aqui. Finalmente li kkk

    Texto interessante. Como posso dizer o que quero dizer? Deixe-me ver...

    Nostalgia é algo facilmente encontrado nos dias de hoje. Ainda mais com empresas apostando cada vez mais em produtos antigos, os renovando para uma nova era. Porém, entre eles, há aqueles raros, que encontramos bem de vez em quando, que nos fazem esquecer que somos adultos e voltarmos a ser crianças. Só devo ter lido uns 2 ou 3 livros na vida toda que me deram essa sensação, mas é algo maravilhoso e renovador. Olhar para dentro e ver que a criança que um dia foi ainda está lá, pronta pra sair pra brincar se você se dispuser a brincar com ela. É extasiante. Deixa a gente leve e bobo. Achar obras que fazem isso é um tesouro sem igual.

    Triste é ver aqueles, cada vez mais comuns nos dias de hoje, que não só não gostam de ter uma criança interior, como fazem de tudo, intencionalmente, para apagá-la, como se fosse algo feio e errado, algo que não é bom ter. Por isso eu odeio a palavra "imaturo". Com ela as pessoas sempre parecem querer dizer que tudo ligada a infância e adolescência é ruim, que crescer é abandonar as coisas de criança e mudar pras de adulto. Mas como diria um dos meus escritores favoritos, crescer é passar a gostar de coisas de adultos sem precisar abandonar as de criança; é apreciar livros cultos sem perder o encanto por contos de fada.

    Enfim, ótimo texto. Finalmente deixei de ser tratante e comentei kkkk

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  10. Eu ri com os "Castelos construídos com lençóis e cadeiras", por identificação imediata. Sou muito grata a minha infância e também partilho da ideia errada que nós, enquanto adultos fazemos a respeito da "inocência", muitas vezes erroneamente confundidas com "falta de maturidade", como você bem colocou. Não há olhar mais puro do que o de uma criança e muitas vezes, em nossas construções e desenvolvimentos somos levados a perder - por circunstâncias ou pessoas - características que nos tornam tão mais humanos. Felizes aqueles que mantém vivos a sua criança anterior, pois guardam um tesouro inestimável dentro de si. É certo que guardamos em nós não apenas memórias felizes, mas, até mesmo estas memórias, os dissabores da vida, nos ensinam inclusive sobre a nossa força e capacidade de superar. Mais do que tudo isso, que possamos sempre cultivar na memória, lembranças não apenas de nossa infância, mas de toda nossa caminhada, elas são parte essencial daquilo que nunca poderá ser tirado de nós. Obrigada por todos os post's Bri. Finalmente me atualizei. Desculpe a demora kkk
    P.S: Obrigada por essa motivação para que eu possa voltar a escrever. Obrigada por tua sensibilidade.

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