Parece que vivemos em um mundo de paixão desenfreada pela rapidez, pela grande eficácia, tudo altamente veloz, conturbado e ultra processado, uma vida de "fast", em que nos perdemos no próprio processo.
De tão rápido e superestimulados, parece que estamos constantemente fatigados. E, embora eu tenha relacionado, nos dois últimos escritos, esta saturação à pandemia atual, as outras 'pandemias' - não tão metafóricas assim e ainda vivenciadas -, elas também trazem consigo um pedaço de cansaço, uma sensação de peso, de que é proibido parar ou desacelerar pelo mínimo momento que seja, que isso não condiz com o que a atualidade prega ou faz.
O fazer ganha muitos espaços nos nossos relógios e nas nossas rotinas, enquanto o nosso tempo perde bastante qualidade. Tornamo-nos cada vez menos eficazes porque não sabemos quem somos, aonde queremos ir, do que gostamos, o que devemos fazer e quando devemos parar ou continuar. Reduzimo-nos a uma lista de tarefas, repetidas nos dias.
Para quem? Por quê? Até quando?
Parece que já vivemos nas nossas distopias literárias, não somos máquinas, porém queremos funcionar enquanto uma. E, quando não correspondemos, as expectativas que acreditamos ser nossas, deparamo-nos com o verdadeiro disfuncionalismo do nosso eu. Um eu esgotado que nunca para e não se reconhece, não se permite.
Até que, nesta mesma correria, surgem brechas no tempo. Elas nos permitem repousar, nos resgatar e nos des-sensibiliza dos excessos de estímulos. Elas nos permitem escapar para:
continuar.
E, logo hoje, no momento em que resolvi declarar sobre a importância dos escapes, o universo me manda um recado, uma placa vendida em um clube de compras, em que eu li:
"Nós viajamos não para escapar da vida, mas vivemos para não escaparmos de nós".
Eu só ri em concordância. Ressonante com o que acredito. Nossos verdadeiros escapes são nossas pequenas viagens. São as grandes também. Nossos escapes não precisam acontecer apenas nas férias - que já estão vencidas e acumuladas -, ou nas festas e eventos que perdemos porque a pandemia 'não deixou'. Não precisam envolver enormes somas de dinheiro, ou horas que achamos que não temos. Eles envolvem nós mesmos.
Precisamos de escapes, não somos panelas de pressão, mas muitas vezes fingimos ser ou viver dentro de uma. E vejo e escuto muitas pessoas prestes a explodir, todos os dias, pessoas que esquecem que até panelas têm válvulas.
Viver é um processo, feito de pausas e retomadas.
Claro, claro...
É preciso, sim, ter vigilância. Nenhuma pequena fuga deve ir tão longe que não possamos retornar, ou causar mais prejuízo do que aquilo do qual queremos escapar ou 'dar um tempo'. Não são iguais para todos e não precisam ser, afinal cada ser humano é um estranho ímpar, já dizia Drummond; no entanto, é essencial que possamos nos permitir reconhecer e vivenciar que escapes nos fazem bem e transformam as nossas ações diárias em atividades mais suaves e bem realizadas.
Seja em uma música, ao dançar na frente do espelho, ou no meio de uma chuva. Seja ao passear com o cachorro, ao escutar os bem-te-vis pousados nos fios, ao ler poesia, ao viajar para um lugar onde nunca fomos, ou sempre íamos, ao fechar os olhos e cochilar na rede ou no chão frio. Não importa onde, importa é sentíssemos-nos bem em estar conosco.
PS.: I) Muitas pessoas, várias mesmo, cada qual com sua história, motivou-me a querer falar sobre os escapes;
II) Em grande parte, minha última pequena viagem de fim de semana, foi um dos meus importantes escapes recentes, um pouco maior. Quem me conhece, no entanto, sabe que tenho vários outros menores e constantes e atribuo-lhes a mesma importância das minhas tarefas de rotina, ou trabalho. E, olha, que me acham workaholic, mas são esses escapes que me permitem evoluir tanto quanto minhas ações mais visíveis ou projetadas socialmente.
III) Ao pos-scriptum I e ao II, por si, cabem outros escritos inteiros, então, acabarei por aqui agora..
IV) Ou quase: quais são seus os escapes e qual a importância que atribuem a eles?
Bom feriado.
E, quando não correspondemos, as expectativas que acreditamos ser nossas... E esquecemos que até panelas têm válvulas.
ResponderExcluirPerfeito texto Sabrina!
ExcluirDizia Mário Quintana no seu Poemo o Tempo...
A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal…
Quando se vê, já terminou o ano…
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado…
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas…
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo…
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.
A vida vai de desenhando nas pequenas miudezas do nosso dia. Carregamos um arsenal de minúsculas oportunidades de escapar daquilo que entendemos ser a parte vazia do copo.
ResponderExcluirQue texto lindo, vc é especial. Te admiro muito!
ResponderExcluirapenas amazing! Tão apropriado ter essa leitura e essa perspectiva, é um passo fundamental, como você mesmo disse, mecanismo terapêutico. "Nenhuma pequena fuga deve ir tão longe que não possamos retornar" meu trecho favorito! Porque adoro equilíbrios.
ResponderExcluirÉ isso Sabrina. As pausas e retomadas são fundamentais. Gosto de uma frase sobposta Pedro Salomão que diz “as vezes é preciso parar para poder seguir”
ResponderExcluirExcelentes ideias. Me identifiquei bastante, porque também tenho me rotulado workaholic, e conhecer suas próprias válvulas é essencial. Principalmente essas mini-válvulas, que deveriamos visitar diariamente. Se não a panela fecha e a gente explode mesmo rs.
ResponderExcluirRespondendo sua pergunta: Gosto de ouvir música num fone que não fique caindo da orelha, aprender coisas novas e brincar com a minha gata.
"I'm a simple man" kkk.
Maravilhoso como sempre!!! Isso é tão real, sempre necessitamos desse escape. A analogia com a panela de pressão foi ótima e tão verdadeira... tantas vezes que achamos que somos incansáveis e não aproveitamos os escapes, sendo esses essenciais para levar um dia a dia mais leve. Amei muito ♡
ResponderExcluirQue texto incrível, definiu muita coisa que as vezes sinto, principalmente, essa cobrança diária e a pressa em fazer tudooo, que as vezes nos faz esquecer de valorizar as pequenas coisas do cotidiano e das lutas diárias !
ResponderExcluirTá com poucos dias que minha vovó de 97 anos ficou internada em um hospital e muitas vezes quando eu estava lá no hospital com ela, eu ficava pensando sobre isso, sobre valorizar cada momento com as pessoas que amamos e até comigo mesmo!
Falando em escape, adoro apreciar o céu e a lua e pensar na vida ! É meio clichê, mas amoo ! Um grande abraço, Sah !
Saah q texto maravilhoso ! Precisava ouvir isso.
ResponderExcluirÉ realmente algo interessante, essa vida capitalista acaba que até no nosso tempo livre a gente conta os minutos e segundos que tem pra ser produtivo haha. Tava pensando esses dias quando foi a ultima vez que parei um momento, sem querer mexer em celular, notebook, ou até orar ou ler a biblia(que é top), e tirar um tempo só p refletir sobre a vida, sobre meus sonhos e escolhas, so lembro de ter esses momentos enquanto lavo os pratos kkk. Parece que é perda de tempo hoje em dia pras pessoas, ter tempo livre pra não fazer nada i feel sometimes, sempre temos que ta produzindo, e não damos valor ao que realmente importa, de tá vivendo como cê falou, aproveitando cada segundo com nossa familia, amigos, refletindo sobre nós mesmos, parando p observar as pequenas coisas da vida, nos divertindo da forma que achamos melhor e não como o mundo lá fora diz como aproveitar, sem cobranca de ter tempo ou tá achando que ta perdendo tempo. E essa questão da aceleração me faz lembrar de quando eu tinha 11 pra 12 anos e ganhei meu primeiro pc, lembro que a internet que eu tive era discada e era 56kbps KK e depois uma de 300kbps, e eu tava super feliz porque tinha net e podia assistir, baixar coisas, jogar, sem reclamar que era lento sabe? Hoje se o celular ou o pc já n responde de imediato já fico sem paciência e querendo que vá mais rápido pra eu não perder tempo, e quando reflito sobre isso me lembro dos tempos que não tinha isso e eu super feliz assim haha, crazy right?
ResponderExcluirMuito bom pra ler e refletir,ao longo dos meus 7.3 nunca parei pra pensar em mim sempre correndo pra conquistar o que foi interrompido na minha infância, metade dos meus sonhos conquistei,(agora) ! Só Deus sabe o que vem daqui en diante, parabéns! Pelo texto...
ResponderExcluirEsta postagem me levou ao meu sertão q tanto amo, como pode uma foto, levar vc onde viveu seus melhores momento,Sabrina obrigada por me presentear com essa lembrança importante, wilani...
ResponderExcluirSassá, você é brilhante! Um ser humano lindo e iluminado !!!
ResponderExcluirAssim , posso chamar de uma reflexão de vida muito bem colocada na perfeita respectiva de vida ,onde vc se refugiou numa visão de sequência do que se passou em momentos de sua vida , que vai de sentimento familiares de perda e alegria de se reconectar com suas raízes, profissão a qual vc se identifica e até às lições que a pandemia nós trouxe, prima vc escreveu de maneira coesa e coerente e acima de tudo de forma verdadeira , demais❤️
ResponderExcluirO distanciamento social pode ser considerado escape, hein. hahah
ResponderExcluirNo meu caso, o distanciamento social e também das redes sociais me deu mais tempo pra mim mesmo, porém, acabamos na mesma coisa: quanto mais tempo temos, mais queremos aproveitar para ser produtivo. E o escape virou oportunidade.
É questão de se permitir, tá tudo bem não ser produtivo 1 dia. :)
Magnífico!!! Que bom se muitos tirassem um tempinho para refletir sobre isso, o tão é importante nos darmos essa chance para compreender e viver de forma mais saudável. Você daria uma ótima psicanalista ☺️👏👏👏
ResponderExcluirSeria***
ResponderExcluirGosto de dizer que os momentos do dia que tiro para buscar o meu interior são as minhas férias em minutos ...
ResponderExcluirAh, como é bom um momento de encontro pessoal.
Como é bom abrir os olhos para os detalhes que nos cercam.
Como é bom desacelerar e simplesmente vislumbrar o aqui e o agora ....
Como sempre, texto riquíssimo ... Inspirador ... <3
Eu sempre tive dificuldades com escapes na teoria, mesmo entendendo na prática o que eles significam e os seus benefícios. Aos poucos tenho mudado estes hábitos, não tem sido fácil, mas como tudo que exige de nós esse reconhecer, conformar, reformular e todos os sinônimos possíveis... Tem sido uma jornada de muito crescimento e evolução pessoal, que claro, se refletirá no meio social em que vivemos. Me lembrei de algo que escuto muito: "Você também precisa estar bem para que possa cuidar dos outros", tenho olhado isso com carinho e tentado soltar os pesos de responsabilidades excessivas que carrego. Acredito muito no processo e na importância de entende-lo, afinal, a partir dele é que podemos evoluir, mas não acontece na noite para o dia. É um constante desafio de ressignificar, respeitar tempos e por fim, amadurecer todos os dias.
ResponderExcluir