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1941.


 Há muito, tive vontade de retornar a escrever, hoje o faço, não sei por quanto ou até quando, só que todos - que importam - sabem como funciona este blog, vai, volta, nunca acaba (ainda bem).

Um dos motivos pelos quais não retornei a escrita tão cedo é o mesmo motivo que a tornaria tão possível: ainda que este ano (2020) seja um grande fomento para tal, pois tragédias historicamente são terrenos férteis para as letras, não me trouxe vontade de tornar este lugar mais um meio gratuito de veicular nada particular ou socialmente sombrio...

Até que hoje, pela madrugada, eu tive um sonho (de fato) que até achei interessante e relacionei de imediato a um trecho do livro "Os meninos que enganavam nazistas" que algumas horas depois li. E dizia: 

"É bom ficar sempre com um pé atrás: o momento em que acreditamos ter vencido é sempre o mais perigoso".

Antes disso, um sonho:

Eu retornava do trabalho, na minha cidade pequena relativamente mais segura do que a maioria, a pé, quando encontrei uma criança (não a conheço), que parecia perdida com um uniforme escolar. Ela estava sem saber o que fazer, havia passado por alguns adultos sem muita ajuda que só a informaram  e a mim também que aquele caminho estava bloqueado, alguma festa, não sei, mas só nos restou seguir por outra parte. Foi quando descobri que o menino não morava na cidade, que ele estava há 400 km aproximadamente de onde morava - nem foi explorado, no sonho, o porquê, apenas como diabos eu ajudaria a mandar aquele menino de volta? - e por fim, terminei com uma série de recomendações que eu sempre me dei, ou que minha mãe me daria, que a família dele também o faria e que eu sempre recomendo a minha irmã, ou a todos que morem longe e sozinhos nesse mundo de...
E continuei: você vai até tal lugar, mas não fale com estranhos, apesar de ter falado comigo, não é sempre que dará sorte assim, nunca mantenha seu dinheiro guardado no mesmo local, se pegarem de um canto você terá o do outro, nunca ande sem água ou sem comida, pode ser sua salvação em algum momento, e as recomendações seguiram-se em uma série de cuidados entre 'nuncas' e 'sempres'.

e acordei.

Acordei com o pensamento de: "a gente parece nunca ter um descanso, é sempre de orelha em pé, pé atrás, tudo para poder de fato ficar de pé, dia após dia, sempre tão desconfiado e vigilante, tudo isso para ser possível ter um bom dia, atrás do outro". Nem havia entendido porque tinha sonhado aquilo, mas na maioria das vezes, nem lembramos, nem sabemos o porquê, ou não nos damos conta; porém, logo depois que continuei minha leitura do livro e vi a citação acima, lembrei novamente de o quanto precisamos ser vigilantes e cuidadosos, principalmente em tempos como estes.

Lembrei-me também, que no mesmo tempo em que essas recomendações passaram a ser mais necessárias, na minha vida, foi quando me advertiram de sempre estar atenta. "Quando você chegar em casa, esteja com as chaves a postos, ao entrar na sua garagem, cuidado, Sabrina, sempre baixamos a guarda ao chegar em casa e é ai que o perigo se aproveita". Essa advertência de alguém muito querido e que já havia passado 'poucas e nada boas' rondava a minha mente.

E embora meu sonho possa parecer estar relacionado apenas ao caos, violência que nos cercam, fica nítido que ao ver a mesma sensação estampada em um mundo de guerra, cenário do livro citado, nós possamos extrapolar para diferentes realidades, inclusive, nos indagarmos: por que seria diferente agora? Quando muitos têm a sensação de que" não ser necessário alarde", "não necessitar de preocupação excessiva" e sim retorno a normalidade fingida é sem dúvida a melhor saída de segurança que temos, sermos inconscientes coletivos e por opção com a desculpa de que 'se adaptar é o mesmo que ignorar'.

O sonho só veio reiterar para mim que a convivência com uma realidade não pedida ou desejada, não inibe a ação. Só que sempre temos algumas opções, inclusive na in-ação. Não precisamos de fato moldar nossas vidas e passos ao medo do perigo constante, até porque se formos puxar pela memória, macro ou microscopicamente, nunca estivemos de fato muitos seguros, entretanto podemos sim, continuar zelosos e vigilantes.  


P.S: Que tipo de seguro morreu de velho, mesmo?

II- Este post não foi baseado apenas no livro, no sonho, mas em todas as conversas, depoimentos, textos, pensamentos que leio, escuto e observo de diferentes pessoas e contextos em mundo que acredita que venceu mais essa de várias pandemias. Enquanto estamos na verdade a alguns passos.

III- Vamos ver a quantas andará o ritmo das publicações, mas é claro...a próxima espero ser mais afável.




Comentários

  1. É verdade, infelizmente ou felizmente. Os perigos estão sempre ao nosso redor, sejam hábitos, sejam emoções cultivadas de modo errado, sejam situações exteriores como agora, sempre devemos estar em alerta porque nunca se sabe agora que algo vai acontecer. Na bíblia o Senhor Jesus fala muito de vigiar e orar sempre, pois nunca se sabe a que horas a tentação virá.
    Gostei da frase "o momento que acreditamos ter vencido sempre é o mais perigoso", porque é nesse momento que baixamos a guarda. E me lembroh algo que o apóstolo Paulo falou em 1ª Coríntios 10:12:
    "Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia."

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  2. Sensibilidade e delicadeza que só vc tem. Te sinto em cada frase na sua essência.. e escreva mais vezes 💖

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  3. De uns meses pra cá eu venho que pensado mais e mais nisso. É realmente como se não tivéssemos sossego, até na nossa própria casa, que deveria ser nosso templo seguro, não estamos de fato seguros. A cada dia que passa, mais e mais eu sempre ando com meu senso de alerta tá ligado em primeira instância, colocando as outras coisas em background. Isso cansa, apesar de há alguns meses que o fluxo de ida e volta foi bloqueado pela pandemia, o sentimento nunca acaba, talvez esteja ficando até pior.

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  4. Encantada com tanta sensibilidade! Continue expressando seus pensamentos e observações, que de fato nos sirvam de alerta e conhecimento.👏👏👏

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  5. Até eu fiquei reflexiva por aqui com seu sonho. Não sei, fiquei pensando até no nosso cuidado ou aflição por nossa criança interior? E fiquei pensando em todos os medos que carregamos todos os dias, ainda mais nós mulheres.

    Fico feliz que tenhas voltados a escrever, sahzinha <3 me sinto mais pertinho de você assim

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  6. Quanta delicadeza e cuidado com as palavras. Tão suave assim como você é. A escrita, às vezes nos salva o dia.

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  7. Decidi começar pelos textos mais antigos, para seguir a "mesma" linha de raciocínio dos teus sentimentos em cada um desses tempos. Bem, teus textos são sempre abraços com palavras, digo, ainda que sejam de um contexto bastante sensível, é muito acalentador saber que tem pessoas - como você - com visões tão parecidas com as nossas, aqui falando por mim. E dou ênfase especial a esse trecho que foi um questionamento teu e de cada um de nós com semelhantes visões: [Acordei com o pensamento de: "a gente parece nunca ter um descanso, é sempre de orelha em pé, pé atrás, tudo para poder de fato ficar de pé, dia após dia, sempre tão desconfiado e vigilante, tudo isso para ser possível ter um bom dia, atrás do outro".]
    Por ser uma certeza que temos e, penso que reconhecer isso, ainda que não seja tão reconfortante assim, nos permite manter quase que de uma maneira natural, essa vigilância. Seria maravilhoso que não precisássemos nos preocupar tanto, mas só temos controle de nós mesmos(quando de fato, o temos). O que resta é continuarmos firmes em nossa luta diária, nos cuidados diários e porque não, esperançosos de um dia (talvez não para nós), mas para gerações do futuro, uma realidade menos preocupada e vigilante, seja possível. Parece utópico (pode ser que realmente seja), mas eu gosto de acreditar que aquilo que é pensado, pode ser realizado.

    Thais aqui. :)

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