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Contemplar-se

 "Public opinion is a weak tyrant compared with our own private opinion" 

(Henry David Thoreau - Walden)

Muitas vezes perdemos boas oportunidades de estarmos em nossa melhor companhia: nós (mesmos).

Até quando somos forçados a olhar para dentro e encarar aquilo que talvez não quiséssemos enxergar, insistimos em manter-nos de olhos fechados. Certa vez, lembro de ter lido - em um lugar qualquer - que bem e mal são facetas da mesma moeda. E complementei o pensamento com um "Talvez o que tenhamos de lembrar é de, às vezes, virar o lado desta moeda".

Ao observar bastantes pessoas, situações opostas e comportamentos - durante este ano que muitos somente aguardam ansiosamente que acabe - foi impossível não chegar a algumas análises e, até sim, - por que não? - avaliações também pessoais.

Ontem, uma paciente contou-me que nunca havia conseguido passar tanto tempo bom com o filho até ser obrigada a estar em casa e que jamais pensou em se encarar tão reflexivamente para o próprio aperfeiçoamento quanto agora, apenas por ter encontrado um espaço para si. Parou para si.

E, sim, ela estava mesmo muito agradecida. 

E eu também a agradeci, uma vez que não foi incomum, foi até banal, escutar tanto - ao longo do ano - o quanto já podíamos passar de vez, "apertar o botão no qual se pula para um outro ano". Como se uma página do calendário virada, virasse nossa vida do avesso. É quando nos pegamos pensando assim, que esquecemos: o mundo só muda quando a gente muda. De um clichê para o outro, faço apenas um lembrete, neste fim de um ano totalmente inesperado: é praticamente impossível que qualquer mudança realmente significativa se dê de fora para dentro; 

e, aliás, qualquer ação ou mudança de direcionamento, requer - antes de tudo -: autoconhecimento.



P.S: 1) Comecei a esboçar este lembrete ontem entre uma pausa no consultório, mas, há muito pensava sobre.

2) Um ano tão difícil tende a nos lembrar apenas do quanto desesperador pode parecer ser privado daquilo que estamos acostumados. Só que eu vi, dia após dia, que o isolamento que mais causou sofrimento as pessoas com quem eu tenho contato - pacientes, colegas, amigos, parentes -, foi: ser obrigado a se encarar e de repente e se dar conta de que se achava um arquipélago e se percebeu uma ilha. 

Uma ilha de mistério sem igual para si mesmo.

3) Logo, para finalizar este ano, em seu começo de último mês...eu não tinha ideia, no inicio dele, que ao escolher para o meu conjuntinho a palavra do ano "contemplação", eu poderia ter feito uma previsão tão grande.

Não sabia, mas agora sei.

E sigo, para 2021, contemplando.

De uma forma, ou de outra, este ano não pode ser em vão.

- Tradução da citação inicial, do livro (contemplativo) Walden:

"Opinião pública é uma fraca tirana quando comparada a nossa própria opinião."

Comentários

  1. Olá,
    Acho que sou diferente das outras pessoas. Apesar do sofrimento e dor de tantos irmãos, das famílias, tudo isso me deu mais ensinamentos. Aprendi (acho que sim, preciso praticar) a pensar mais; a ver as adversidades como oportunidades de acerto; a ser mais compreensivo; não lamentar, agir...
    Lamentavelmente a lição não foi entendida para muitos, principalmente boa parte da classe jovem que pensa que o mundo vai se acabar amanhã e quer fazer tudo hoje, basta olhar as aglomerações aonde as pessoas ficam sem qualquer proteção, levando para seus idosos o risco de contaminação.
    Bem, se deixar não paro mais e a chance de dizer besteira é real.

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  2. Incrível, Bri!! Esse ano realmente fez com que possamos ter, inclusive, autoconhecimento. Nos momentos que estamos à sós que fazemos reflexões sobre nossa vida (especialmente quando olhamos o belo céu com suas pequenas iluminações). Além disso, foi um momento de criar relações cada vez mais firmes entre a família como a paciente bem relatou durante a consulta. A sua análise é bastante pertinente aos dias de hoje e que em 2021 possamos continuar nesse espírito de aproveitar a nossa própria companhia.

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  3. Eu adoro clima de fim de ano, então vou pegar essa palavra contemplação e usar no mês em outra atmosfera que é contemplar as luzes de natal, o espírito natalino, o sentimento de esperança tão necessário a todos nós que ressurge a cada recomeço. 2021 nós tirou do eixo mas lição mais linda que fica é: a vida é muito aleatória e se pode pender pro “ruim” também pode ir pro maravilhoso. Então, que 2021 nós traga surpresas maravilhosas na aleatoriedade desse mundo e da vida ❤️
    Feliz ano novo pra todo mundo 😘

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  4. Eu realmente acho que quem me conheceu antes da pandemia e me encontrar vai ver outra Liubica.
    Antes a ideia de olhar para si soava completamente egoísta, hoje vejo como algo necessário para se viver - seja em sociedade ou cmg mesmo.
    E, só assim, pude ter mais contato com quem eu era e assim apresentar me ao mundo.
    E quanto aos desejos para 2021, que sigamos aprendendo e contemplado cada milímetro da nossa existência aqui na terra.

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  5. Que texto maravilhoso sah! Sem dúvidas foi um ano de autoconhecimento!!

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  6. Esse ano para mim se resume a uma frase do Racionais MC's que diz "o caminho da cura pode ser a doença". Esse ano foi muito autocurativo para mim justamente por permitir que eu me interiorizasse mais e tomasse consciência da minha ilha. Sempre tive para mim que a melhor companhia do mundo é a nossa em momentos de solidão e foi aí que achei a cura para muita coisa. Manifesto minha gratidão pela reflexão!

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  7. Não poderia concordar mais. Este ano foi um ano muito importante pra mim, até gosto de dizer que foi o melhor/pior, Sabrina é uma das poucas pessoas que sabe. Mas acredito que, apesar de toda a dor, sofrimento e tristeza que 2020 tem, quem soube "contemplar" com certeza tirou um grande aprendizado e autoconhecimento, mesmo que pouco.

    E como disse: "[...] ser obrigado a se encarar e de repente e se dar conta de que se achava um arquipélago e se percebeu uma ilha.", talvez isso seja um dos motivos das pessoas não conseguem ficar em casa. Realmente é difícil encarar a si mesmo depois de tanto tempo ignorando a si mesmo. Deve ser um encontro com um desconhecido.

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